sexta-feira, 30 de julho de 2010

Jorge Maravilha


Chico Buarque
Composição: Leonel Paiva / Julinho da Adelaide (Chico Buarque)

E nada como um tempo após um contratempo
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando, até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão
Do que dois pais voando
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega
Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
E nada como um dia após o outro dia
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão do que dois pais sobrevoando

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Encontros e Despedidas


Maria Rita
Composição: M. Nascimento E F. Brant

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir

São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida

terça-feira, 27 de julho de 2010

O valioso tempo dos maduros

Mario de Andrade

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Singular

"Caí em meu patético período de desligamento.
Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente,
meus sentidos simplesmente se desligavam, se cansam, eu desisto.
Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém.
Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual.
Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo.
E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."


Charles Bukowski

Ando Devagar

Almir Sater
Composição: Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar porque já tive pressa,
E levo esse sorriso, porque já chorei demais,
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou
Nada sei, conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor pra puder pulsar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir.

Penso que cumprir a vida, seja simplesmente
Compreender a marcha, ir tocando em frente,
Como um velho boiadeiro, levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu vou,
Estrada eu sou, conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maças,
É preciso amor pra puder pussar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia, todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora,
Cada um de nos compõe a sua história, cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz, e ser feliz,
conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maças,
É preciso amor pra puder pulsar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir

Ando devagar porque já tive pressa,
E levo esse sorriso, porque já chorei de mais,
Cada um de nos compõe a sua história, cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz, e ser feliz

terça-feira, 20 de julho de 2010

O enterro do Conde Orgaz _ 1586

Representação da Vida por meio da dialética entre o real e o divino.

El Greco


"Não se pode olhar de frente nem o Sol nem a morte".
La Rochefoucauld, século XVII.


Poema de Natal

Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

“É que o mundo de fora também tem o seu ‘dentro’, daí a pergunta, daí os equívocos. O mundo de fora também é íntimo. Quem o trata com cerimônia e não o mistura a si mesmo não o vive e é quem realmente o considera ‘estranho’ e ‘de fora’. A palavra ‘dicotomia’ é uma das mais secas do dicionário.”

Clarice Lispector

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tempo


Carlos Drummond de Andrade

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...

...Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.

Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Verdade Não Me Ilude

Nei Lisboa

De fato é muito interessante e musical
Esse seu novo jazz em fá bemol
Música é legal
Mas devo também lembrar o aspecto pontual
De que assinou esse contrato pelo qual
Lhe prometemos uma eterna juventude
Em troca de você mostrar um pouco de atitude
Algum perfil total
De um drama social
Qualquer falso ideal de virtude
Algum papel do mal
De inspiração banal
De colegial que não estude
De uma atração fatal
De atleta genital
De amor industrial e rude
De excesso ou falta de saúde
Música é legal
Mas a verdade não me ilude
Quero algo pra fabricar
Algo pra anunciar
A alguém que revender
Alguém pra liquidar

Então veja bem
Tudo o que você tem
Nessa alma torta de poeta
Não importa a mais ninguém
Vá, volte o mês que vem
E lhe oferecemos outro tipo de contrato
Com certeza
Ou como pensa que eu cheguei
Do outro lado dessa mesa
Aqui nesse negócio
Ou você é presa fácil
Ou você é sócio.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Vôos da Vida

Toquinho – Maurizio Fabrizio – Guido Morra

É linda a vida que virá
E pousará suave e leve
De um canto a outro,
De uma América futura, calma e livre.

E os dias se renovarão
Numa segura trajetória.
E pouco a pouco contarão
Uma nova e linda história.

É linda a vida que voa altíssima
Sobre esse tempo escuro.
Clara mas incompreensível,
Vai desenhando o futuro.

É linda a vida que voa livre
E sempre sem ter fim.
Descortinando caminhos
Que em meio à poesia
Um dia trouxeram você pra mim.

É lindo o sonho que eu vivi
Junto a você que dorme agora
Enquanto eu, olhando a aurora,
Estou pensando em ti.

É linda a vida, é linda sim,
Depois do amor e seus desvelos.
Quando se abraçam nossos pêlos
Numa calma de jardim.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Tenho Tanto Sentimento


Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 2 de julho de 2010

"Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história".


José Saramago