segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Joaninha
Composição: Djavan
Tudo passa
Enquanto a hora espera
Quando ave noturna pia
Todos piam, eu espio,
Noite fria, na luz guia
Do luar, que lugar...
Que lugar, que lugar
Quando é hora
O amor se vai embora
Sem saber como seria
Mais um dia se recria
Na paixão, outro chão,
Outra vez, toda vez,
Toda vez, toda vez...
A vereda é azulada
E sofrida a solidão
Que sem chão
Faz morada no descaminho
Bem quando a luz do cacto
Reflete ao sol altivo
A chuva rompe o pacto
Inundando a tarde quente
E o prazer que sente a joaninha
Quando anda pela flor
Ganha um quê de sacrifício e dor
Volto a contemplar
O firmamento
Bruma que o cobria
Esvaneceu
Cheia de pesar
Estrela espia
A luz do luar
Que a escondeu!...
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Todo o amor que houver nesta vida
Roberto Frejat
Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia
E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia
E se eu achar a sua fonte escondida
Te alcance em cheio o mel e a ferida
E o corpo inteiro feito um furacão
Boca, nuca, mão, e a tua mente, não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Quem sabe um dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!
Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!
Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!
Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!
Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois.
Cantar
Composição: Raul Seixas e Claudio Roberto
Eu já falei sobre disco voador
E da metamorfose que eu sou
Eu já falei só por falar
Agora eu vou cantar por cantar
Já fui garimpeiro
Encontrei ouro de tolo
Eu já comi mentade do bolo
Eu já avisei, só por avisar
Agora eu vou cantar por cantar
Cantar tudo o que vier na cabeça
Eu vou cantar até que o dia amanheça
Eu vou cantar...
Cantar tudo o que vier na cabeça
Eu vou cantar até que o dia amanheça
Eu vou tocar... tocar... tocar...
Cantar tudo o que vier na cabeça
Eu vou cantar até que o dia amanheça
Eu vou cantar...
Já fui mosca na sopa
Zumbizando em sua mesa
Também já fui maluco beleza
Eu já reclamei, só por reclamar
Agora eu vou cantar por cantar
Cantar tudo o que vier na cabeça
Eu vou cantar até que o dia amanheça
Eu vou cantar...
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Amar
Composição: Tom Zé
Amar, amar
Ceder ao coração
A razão
E só, só, só viver
Pra ser
A casca pro outro
Viver.
E ter, e ter e ter....
Amarguras mil sem ter,
Por que e pra que tecer
E ser...
Como uma varinha de condão
Para quando riscar o chão
Espalhar, espalhar no céu (ah!)
Beatles a granel
Em sonhos de papel
Porque na vida amar é fel e mel
(bis)
Tudo bem alto,
Tudo baixinho,
Tudo calado
Tudo bem alto,
Tudo baixinho
Tudo...
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
A Teia
A teia que a vida tece,
tecido de um fragmento
de luz, de imagens,
de alegrias, provas e bênçãos,
dos nossos sonhos,
os mais íntimos
teia armada
entre a tua
e minh'alma.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Meu Amigo Pedro
Raul Seixas
Composição: Raul Seixas / Paulo Coelho
Muitas vezes, Pedro, você fala
Sempre a se queixar da solidão
Quem te fez com ferro, fez com fogo, Pedro
É pena que você não sabe não
Vai pro seu trabalho todo dia
Sem saber se é bom ou se é ruim
Quando quer chorar vai ao banheiro
Pedro as coisas não são bem assim
Toda vez que eu sinto o paraíso
Ou me queimo torto no inferno
Eu penso em você meu pobre amigo
Que só usa sempre o mesmo terno
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
Tente me ensinar das tuas coisas
Que a vida é séria, e a guerra é dura
Mas se não puder, cale essa boca, Pedro
E deixa eu viver minha loucura
Lembro, Pedro, aqueles velhos dias
Quando os dois pensavam sobre o mundo
Hoje eu te chamo de careta, Pedro
E você me chama vagabundo
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
Todos os caminhos são iguais
O que leva à glória ou à perdição
Há tantos caminhos tantas portas
Mas somente um tem coração
E eu não tenho nada a te dizer
Mas não me critique como eu sou
Cada um de nós é um universo, Pedro
Onde você vai eu também vou
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
É que tudo acaba onde começou
Meu amigo Pedro
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Alento
Quando nada mais houver,
eu me erguerei cantando,
saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem.
E numa louca corrida
entregarei meu ser ao ser do Tempo
e a minha voz à doce voz do vento.
Despojado do que já não há
solto no vazio do que ainda não veio,
minha boca cantará
cantos de alívio pelo que se foi,
cantos de espera pelo que há de vir.
( Extraído do livro Caio Fernando Abreu- Caio 3D, O Essencial da Década de 1970, p.144)
Passam por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim.
São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelo campo que arrefece.
Símbolos? Sonhos?
Quem torna meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transforma?
Que coisa inútil me dói?"
Fernando Pessoa
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
...há impossibilidade de ser além do que se é -
no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio,
sou mais do que eu, quase normalmente -
tenho um corpo e tudo que eu fizer é continuação
de meu começo......
a única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais....
Clarice Lispector
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Ninguém = Ninguém
Composição: Humberto Gessinger
Há tantos quadros na parede
Há tantas formas de se ver o mesmo quadro
Há tanta gente pelas ruas
Há tantas ruas e nenhuma é igual a outra
Ninguém = ninguém
Me encanta que tanta gente sinta
(se é que sente) a mesma indiferença
Há tantos quadros na parede
Há tantas formas de se ver o mesmo quadro
Há palavras que nunca são ditas
Há muitas vozes repetindo a mesma frase:
Ninguém = ninguém
Me espanta que tanta gente minta
(descaradamente) a mesma mentira
São todos iguais
E tão desiguais
uns mais iguais que os outros
Há pouca água e muita sede
Uma represa, um apartheid
(a vida seca, os olhos úmidos)
Entre duas pessoas
Entre quatro paredes
Tudo fica claro
Ninguém fica indiferente
Ninguém = ninguém
Me assusta que justamente agora
Todo mundo (tanta gente) tenha ido embora
São todos iguais
E tão desiguais
uns mais iguais que os outros
O que me encanta é que tanta gente
Sinta (se é que sente) ou
Minta (desesperadamente)
Da mesma forma
São todos iguais
E tão desiguais
uns mais iguais que os outros
São todos iguais
E tão desiguais
uns mais iguais...
uns mais iguais...
Ai Quem Me Dera
Composição: Vinícius de Moraes
Ai quem me dera terminasse a espera
Retornasse o canto, simples e sem fim
E ouvindo o canto, se chorasse tanto
Que do mundo o pranto, se estancasse enfim
Ai quem me dera ver morrer a fera
Ver nascer o anjo, ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de amor...
Ahh se as pessoas se tornassem boas
E cantassem moas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais
Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim
Ai quem me dera ouvir um nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E ao fim da espera
Ouvir na primavera
Alguém chamar por mim
Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim
Ai quem me dera ouvir um nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E ao fim da espera
Ouvir na primavera
Alguém chamar por mim
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Gente
Composição: Raul Seixas e Claudio Roberto
Gente é tão louca
E no entanto tem sempre razão
Quando consegue um dedo
Já não serve mais, quer a mão
E o problema é tão fácil de perceber
É que gente
Gente nasceu pra querer
Gente tá sempre querendo
Chegar lá no alto
Pra no fim descobrir
Já cansado que tudo é tão chato
Mas o engano é bem fácil de se entender
É que gente
Gente nasceu pra querer
Em casa, na rua, na praia, na escola ou no bar... ah!
Gente fingindo, escondendo seu medo de amar...oh!
Gente é tão louca
E no entanto tem sempre razão
Quando consegue um dedo
Já não serve mais, quer a mão
E o problema é tão fácil de perceber
É que gente
Gente nasceu pra querer, ok, gente, gente
Em casa, na rua, na praia, na escola ou no bar... ah!
Gente fingindo, escondendo seu medo de amar...oh!
Gente é tão louca
E no entanto tem sempre razão
Quando consegue um dedo
Já não serve mais, quer a mão
E o problema é tão fácil de perceber
É que gente
Gente nasceu pra querer
É que gente
Gente nasceu pra querer...
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Samba da Benção
Composição: Baden Powell / Vinicius de Moraes
É melhor ser alegre
Que ser triste
Alegria é a melhor
Coisa que existe
É assim como a luz
No coração...
Mas prá fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba
Não!...
Fazer samba não é
Contar piada
E quem faz samba assim
Não é de nada
O bom samba é uma forma
De oração...
Porque o samba é a tristeza
Que balança
E a tristeza tem sempre
Uma esperança
A tristeza tem sempre
Uma esperança
De um dia não ser mais triste
Não!...
Põe um pouco de amor
Numa cadência
E vai ver que ninguém
No mundo vence
A beleza que tem um samba
Não!...
Porque o samba nasceu
Lá na Bahia
E se hoje ele é branco
Na poesia
Se hoje ele é branco
Na poesia
Ele é negro demais
No coração...
É melhor ser alegre
Que ser triste
Alegria é a melhor
Coisa que existe
É assim como a luz
No coração...
Põe um pouco de amor
Numa cadência
E vai ver que ninguém
No mundo vence
A beleza que tem um samba
Não!...
Porque o samba nasceu
Lá na Bahia
E se hoje ele é branco
Na poesia
Se hoje ele é branco
Na poesia
Ele é negro demais
No coração...
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Meu Tempo
Composição: Vinicius de Moraes / Marília Medalha
Minha sorte está lançada
Eu sou, eu sou estrada
Eu sou, eu sou levada
Eu sou, eu sou partida
Contra o grande nada - lá vou eu!
Ao romper da madrugada
O sol no pensamento
E o tempo contra o vento
E a minha voz alçada
Contra o grande nada - lá vou eu!
"Quem vem lá?" Pergunta a solidão
"Sou eu!"
Sou eu que vou porque o meu tempo nasceu
Entre os ecos do infinito
Eu grito, eu mato a solidão
Eu sou meu tempo, eu vou
A ferro e fogo, eu corro
Eu vou, eu canto e grito: amor!
Eu vou, eu vou, eu canto e grito: amor!
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Filosofia da vida
Meu destino eu moldei
Qualquer um pode moldar
Deixo o mundo me rumar
Para onde quero ir
Dor passada não me dói
E nem curto nostalgia
Eu só quero o que preciso
Pra viver meu dia a dia
Pra que reclamar de algo que não mereço
A minha razão é a fé que me guia
Nenhuma inveja me causa tropeço
Creio em deus e na virgem Maria
Encaro sem medo os problemas da vida
Não fico sentado de pernas pro ar
Não há contratempo sem uma saída
Pra quem leva a vida devagar
Meu destino eu moldei
Qualquer um pode moldar
Deixo o mundo me rumar
Para onde eu quero ir
Dor passada não me dói
E nem curto nostalgia
Eu só quero o que preciso
Pra viver meu dia a dia
Que o supérfluo
Nunca nos falte
Básico para
Quem tem carestia
Não quero mais do que necessito
Pra transmitir minha alegria
Poema de Benjamin Constant
Composição: Benjamin Constant
"(...) Todo sentimento precisa de um passado pra existir
O amor não, ele cria como por encanto um passado que nos cerca
Ele nos dá a consciência de havermos vivido anos a fio
Com alguém que a pouco era quase um estranho
Ele supre a falta de lembranças por uma espécie de mágica..."
Mais uma vez
Composição: Renato Russo.
Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem.
Tem gente que está do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Tem gente enganando a gente
Veja a nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança!
Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem.
Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena
Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança!
terça-feira, 5 de outubro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Se cada dia cai ...
"Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída,
com paciência."
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
? (O Que É Que Eu Sou)
Composição: Erasmo Carlos
O que é que eu sou?
Eu vim porquê?
Pra onde eu vou?
Onde é que eu tava?
Onde é aqui?
Quem me mandou?
Qual é o nome
da minha alma?
Acho que sou fruto da imaginação,
A imagem viva da ilusão.
Falso faz de conta do que seja uma mulher
Ou uma miragem de um dejavù qualquer
O que é que eu sou?
Eu vim porquê?
Pra onde eu vou?
Onde é que eu tava?
Onde é aqui?
Quem me mandou?
Qual é o nome
da minha alma?
Acho que sou fruto da imaginação
A imagem viva da ilusão
Falso faz de conta do que seja uma mulher
Ou uma miragem de um dejavù qualquer
Você é quem?
Você é quem?
Veio de onde?
O que faz aqui?
Pra onde vai?
Você não sabe,
Eu também não sei...
Somos o todo, feito de nada.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Tenho felicidade o bastante para fazê-la doce, dificuldades para fazê-la forte,
Tristeza para fazê-la humana e esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas,
elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos."
Clarice Lispector
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
O Mundo
Composição: André Abujanra
O mundo é pequeno pra caramba
Tem alemão, italiano, italiana
O mundo, filé à milaneza
tem coreano, japones, japoneza
O mundo é uma salada russa
tem nego da Persia, tem nego da Prussia
O mundo é uma esfiha de carne
tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire
O mundo é azul lá de cima
O mundo é vermelho na China
O mundo tá muito gripado
Açucar é doce, o sal é salgado
O mundo - caquinho de vidro -
tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata, o homem que mente
Por que voce me trata mal
se eu te trato bem?
Por que você me faz o mal
se eu só te faço bem?
Todos somos filhos de Deus
Só não falamos as mesmas linguas
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
O Homem Escrito
Carlos Drummond de Andrade
Ainda está vivo ou
virou peça de arquivo
sua vida é papel
a fingir de jornal?
Dele faz-se bom uso
seu texto é confuso?
Numa velha gaveta
o esquecem, a caneta?
Após tantos escapes
arredonda-se em lápis?
Essa indelével tinta
é para que não minta
mas do que o necessário
é uma sigla no armário?
Recobre-se de letras
ou são apenas tretas?
Entrará em catálogo
a custa de monólogo?
Terá número, barra
e borra de carimbo?
Afinal, ele é gente
ou registro pungente?
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Os Alquimistas Estão Chegando
Composição: Jorge Ben Jor
Os Alquimistas
Estão chegando
Estão chegando
Os Alquimistas...
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Êh! Êh! Êh! Êh!...
Eles são discretos
E silenciosos
Moram bem longe dos homens
Escolhem com carinho
A hora e o tempo
Do seu precioso trabalho...
São pacientes, assíduos
E perseverantes
Executam
Segundo as regras herméticas
Desde a trituração, a fixação
A destilação e a coagulação...
Trazem consigo, cadinhos
Vasos de vidro
Potes de louça
Todos bem e iluminados
Evitam qualquer relação
Com pessoas
De temperamento sórdido
De temperamento sórdido
De temperamento sórdido
De temperamento sórdido...
Êh! Êh! Êh! Êh!
Êh! Êh! Êh! Êh!...
Os Alquimistas
Estão chegando
Estão chegando
Os Alquimistas...
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Oh! Oh! Oh! Oh!...
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Oração ao Tempo
Caetano Veloso
Imagem: Lili (mais uma contribuição..hehe)Portugal_Praia da Barra_Ílhavo.
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...
Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...
O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Seja
Olhe dentro do espelho,
Encontre um caminho.
Seja o sol,
Dias de reflexão,
Vento que faz a volta.
Seja assim,
Livre de preconceitos,
Livre-se desta máscara.
Seja um sonho,
O amor em qualquer forma,
Em qualquer tempo.
Seja um besouro,
Voe com seus pensamentos,
Aterrisse num beijo.
Seja um portal,
Um mural estrelado,
Um céu sobre mim."
Daniel Moreira.
Cult Poesia no Bar.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Tribo
Composição: Vitor Ramil
Levantar mais cedo
com as cordilheiras
calar as estrelas
como as cigarras
acordar a tribo
para um novo dia
colher o centeio
pra fazer o pão
dividir a plantação
Recolher os frutos
para pôr à mesa
comer nossa safra
que rompeu da terra
brincar entre os juncos
ou regar as plantas
e sentarmos juntos
para o fim do dia
todo tempo é de viver
Homens e mulheres
sobre o mesmo chão
livres como a chuva
que transborda o rio
trabalhamos todo dia
nossa vida em comum
Abraçar a noite
como a luz da lua
e acender o fogo
pra nos dar carinho
dar nossos corpos
pra gerarmos filhos
como nasce a erva
sobre a terra nua
e poder dormir em paz
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Jorge Maravilha
Chico Buarque
Composição: Leonel Paiva / Julinho da Adelaide (Chico Buarque)
E nada como um tempo após um contratempo
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando, até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão
Do que dois pais voando
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega
Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
E nada como um dia após o outro dia
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão do que dois pais sobrevoando
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Encontros e Despedidas
Maria Rita
Composição: M. Nascimento E F. Brant
Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero
Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida
terça-feira, 27 de julho de 2010
O valioso tempo dos maduros
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Singular
Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente,
meus sentidos simplesmente se desligavam, se cansam, eu desisto.
Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém.
Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual.
Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo.
E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."
Charles Bukowski
Ando Devagar
Composição: Almir Sater e Renato Teixeira
Ando devagar porque já tive pressa,
E levo esse sorriso, porque já chorei demais,
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou
Nada sei, conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs.
É preciso amor pra puder pulsar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir.
Penso que cumprir a vida, seja simplesmente
Compreender a marcha, ir tocando em frente,
Como um velho boiadeiro, levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu vou,
Estrada eu sou, conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maças,
É preciso amor pra puder pussar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia, todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora,
Cada um de nos compõe a sua história, cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz, e ser feliz,
conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maças,
É preciso amor pra puder pulsar, é preciso paz
Pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir
Ando devagar porque já tive pressa,
E levo esse sorriso, porque já chorei de mais,
Cada um de nos compõe a sua história, cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz, e ser feliz
terça-feira, 20 de julho de 2010
O enterro do Conde Orgaz _ 1586
El Greco
"Não se pode olhar de frente nem o Sol nem a morte".
La Rochefoucauld, século XVII.
Poema de Natal
Vinicius de Moraes
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Clarice Lispector
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Tempo
Carlos Drummond de Andrade
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...
...Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.
Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
A Verdade Não Me Ilude
De fato é muito interessante e musical
Esse seu novo jazz em fá bemol
Música é legal
Mas devo também lembrar o aspecto pontual
De que assinou esse contrato pelo qual
Lhe prometemos uma eterna juventude
Em troca de você mostrar um pouco de atitude
Algum perfil total
De um drama social
Qualquer falso ideal de virtude
Algum papel do mal
De inspiração banal
De colegial que não estude
De uma atração fatal
De atleta genital
De amor industrial e rude
De excesso ou falta de saúde
Música é legal
Mas a verdade não me ilude
Quero algo pra fabricar
Algo pra anunciar
A alguém que revender
Alguém pra liquidar
Então veja bem
Tudo o que você tem
Nessa alma torta de poeta
Não importa a mais ninguém
Vá, volte o mês que vem
E lhe oferecemos outro tipo de contrato
Com certeza
Ou como pensa que eu cheguei
Do outro lado dessa mesa
Aqui nesse negócio
Ou você é presa fácil
Ou você é sócio.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Vôos da Vida
É linda a vida que virá
E pousará suave e leve
De um canto a outro,
De uma América futura, calma e livre.
E os dias se renovarão
Numa segura trajetória.
E pouco a pouco contarão
Uma nova e linda história.
É linda a vida que voa altíssima
Sobre esse tempo escuro.
Clara mas incompreensível,
Vai desenhando o futuro.
É linda a vida que voa livre
E sempre sem ter fim.
Descortinando caminhos
Que em meio à poesia
Um dia trouxeram você pra mim.
É lindo o sonho que eu vivi
Junto a você que dorme agora
Enquanto eu, olhando a aurora,
Estou pensando em ti.
É linda a vida, é linda sim,
Depois do amor e seus desvelos.
Quando se abraçam nossos pêlos
Numa calma de jardim.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Tenho Tanto Sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.
Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.
Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história".
José Saramago
sexta-feira, 25 de junho de 2010
O Cio da Terra
Composição:Milton Nascimento/Chico Buarque
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
O papalagui não tem tempo
O papalagui gosta do metal redondo e do papel pesado; gosta de meter para dentro da barriga muitos líquidos que saem das frutas mortas, além de carne de porco e de vaca e de outros animais horríveis: mas ele gosta principalmente daquilo que não se pode pegar e que, no entanto, existe: o tempo. Nunca existe mais tempo do que aquele que vai do nascer ao pôr do sol e, no entanto, isto nunca é suficiente para o papalagui.
O papalagui nunca está satisfeito com o tempo que tem; e acusa o grande espírito de não lhe ter dado mais. Chega a blasfemar contra Deus, contra sua grande sabedoria, dividindo e subdividindo em pedaços cada dia que se levanta de acordo com um plano muito exato. Divide o dia tal qual um homem partiria um coco mole, com uma faca em pedaços cada vez menores. Todos os pedaços têm nome: segundo, minuto, hora. O segundo é menor que o minuto, este menor do que hora; juntos, minutos e segundos formam a hora e são precisos sessenta minutos e uma quantidade maior de segundos para fazer o que se chama de hora.
É uma coisa complicada que nunca entendi porque me faz mal estar pensando mais do que é necessário em coisas assim pueris. Mas o papalagui disso faz uma ciência importante: os homens, as mulheres e até as crianças que mal se têm nas pernas usam na tanga, presa a correntes grossas de metal, ou pendurado no pescoço, ou atada com tiras de couro ao pulso, certa pequena máquina, redonda, na qual lêem o tempo, leitura que não é fácil, que se ensina às crianças, aproximando-lhes do ouvido a máquina para diverti-las.
Esta máquina, fácil de carregar em dois dedos, parece-se por dentro com as máquinas que existem dentro de grandes navios, que todos vós conheceis. Mas também existem máquinas do tempo grande e pesadas, que se colocam dentro das cabanas, ou se suspendem bem alto para serem vistas de longe. Para indicar que passou uma parte do tempo, há do lado de fora da máquina uns pequenos dedos; ao mesmo tempo, a máquina grita e um espírito bate no ferro que está do lado de dentro. Sim, produz-se mesmo muito barulho, um grande estrondo, nas cidades européias quando uma parte do tempo passa.
Ao escutar esse barulho, o papalagui queixa-se: “Que tristeza que mais uma hora tenha se passado”. O papalagui faz, então, uma cara feia, como um homem que sofre muito; no entanto, logo depois vem outra hora novinha.
Só consigo entender isso pensando que se trata de uma doença grave: “O tempo voa!” “O tempo corre feito um corcel!” “Dêem um pouco mais de tempo!” – são as queixas do branco.
Digo que deve ser uma espécie de doença porque, supondo que o branco queira fazer alguma coisa, que seu coração queime de desejo, por exemplo, de sair para o sol, ou passear de canoa no rio, ou namorar sua mulher, o que acontece? Ele quase sempre estraga boa parte de seu prazer pensando, obstinado: “Não tenho tempo para me divertir”. O tempo que ele tanto quer está ali, mas ele não consegue vê-lo. Fala em uma quantidade de coisas que lhe tomam tempo, agarra-se taciturno, queixoso, ao trabalho que não lhe dá alegria, que não o diverte, ao qul ninguém o obriga senão ele próprio. Mas, se de repente vê que tem tempo, que o tempo está ali mesmo, ou quando alguém lhe dá um tempo – os papalaguis estão sempre dando tempo uns aos outros, é uma das ações que mais se aprecia – aí não se sente feliz, ou porque lhe falta o desejo, ou está cansado do trabalho sem alegria. E está sempre querendo fazer amanhã o que tem tempo para fazer hoje.
Certos papalaguis dizem que nunca têm tempo: correm feito loucos de um lado para outro, como se estivessem possuídos pelo aitu; e por onde passam levam a desgraça e o pavor de terem perdido o seu tempo. É um estado horrível, esta possessão que não há médico que cure, que contagia muitos homens e os faz desgraçados.
Todo papalagui é possuído pelo medo de perder o seu tempo. Por isso todos sabem exatamente ( e não só os homens, mas as mulheres e criancinhas) quantas vezes a lua e o sol saíram desde que, pela primeira vez, viram a grande luz. De fato, isso é tão sério que, a certos intervalos, se fazem festas com flores e comes e bebes. Muitas vezes percebi que achavam esquisito eu dizer, rindo, quando me perguntavam quantos anos eu tinha: “Não sei...” “Mas decia saber”. Calava-me e pensava que era melhor não saber.
Ter tantos anos significa ter vivido um número bem preciso de luas. É perigosa essa maneira de indagar e contar o número de luas porque assim se chega a saber quantas luas dura a vida da maior parte dos homens. Todos prestam muita atenção nisso e, passando um número muito grande de luas dizem: “Agora não vou demorar a morrer”. E então essas pessoas perdem a alegria e morrem mesmo dentro de pouco tempo.
Pouca gente há na Europa que tenha tempo, de fato; talvez ninguém mesmo. É por isso que quase todos levam a vida correndo com a velocidade de pedras atiradas por alguém. Quase todos andam olhando para o chão e balançando os braços para caminhar o mais depressa possível. Se alguém os faz parar, dizem, mal-humorados: “Não me aborreças, não tenho tempo, vê se aproveita melhor o teu. Dá a impressão de que aquele que anda mais depressa vale mais do que aquele que anda devagar. [...]
Só uma vez me deparei com um homem que tinha muito tempo, que nunca se queixava de não tê-lo, mas era pobre, sujo e desprezado. Os outros passavam longe dele, ninguém lhe dava importância. Não compreendi essa atitude porque ele andava sem pressa, com os olhos sorrindo, mansa, suavemente. Quando lhe falei, fez uma careta e disse tristemente: “Nunca soube aproveitar o tempo, por isso sou pobre, um bobalhão”. Tinha tempo, mas não era feliz.
O papalagui emprega todas as forças que tem e todos os seus pensamentos tentando alongar o tempo o mais possível. Serve-se da água e do fogo, da tempestade, dos relâmpagos que brilham no céu para fazer parar o tempo. Põe rodas de ferro nos pés, dá asas às palavras que diz para ter mais tempo. Mas para que todo esse esforço? O que é que o papalagui faz com o tempo? Nunca compreendi muito bem. [...]
Acho que o tempo lhe escapa tal qual cobra na mão molhada justamente porque o segura com força demais. O papalagui não espera que o tempo venha até ele, mas sai ao seu encalço, não deixa que o tempo descanse ao sol. O tempo tem de estar sempre perto dele, cantando, dizendo alguma coisa. Mas o tempo é quieto, pacato, gosta de descansar, de deitar-se à vontade na esteira. O papalagui não sabe perceber onde está o tempo, não o entende e é por isso que o maltrata com seus costumes rudes.
Ó amados irmãos! Nunca nos queixamos do tempo; amamo-lo conforme vem, nunca corremos atrás dele, nunca pensamos em ajuntá-lo nem parti-lo. Nunca o tempo nos falta, nunca nos enfastia. Adiante-se entre nós aquele que não tem tempo! Cada um de nós tem o tempo em quantidade e nos contentamos com ele. Não precisamos de mais tempo do que temos e, no entanto, temos tempo que chega. Sabemos que no devido tempo havemos de chegar ao nosso fim e que o grande espírito nos chamará quando for sua vontade, mesmo que não saibamos quantas luas passaram. Devemos livrar o pobre papalagui, tão confuso, de sua loucura! Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido de tempo que perdeu. Vamos despedaçar sua pequena máquina de contar o tempo e lhe ensinar que, do nascer ao pôr do sol, o homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Meio Silêncio
É tempo de meio
silêncio,
de boca gelada e suspiro,
de palavra indireta,
aviso na esquina.
Tempo de cinco
sentidos num só.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Eu Apenas Queria Que Você Soubesse
Gonzaguinha
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também
E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé
Eu apenas queira que você soubesse
Que essa criança brinca nesta roda
E não teme o corte de novas feridas
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Mas há a vida
Mas
há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Recomeçar
Não importa onde você parou …
em que momento da vida você cansou…
o que importa é que sempre é possível e necessário “Recomeçar”.
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo…
é renovar as esperanças na vida e o mais importante…
acreditar em você de novo…
Sofreu muito nesse período? Foi aprendizado.
Chorou muito? Foi limpeza da alma.
Ficou com raiva das pessoas? Foi para perdoá-las um dia.
Tem tanta gente esperando apenas um sorriso seu para “chegar” perto de você.
Recomeçar…
hoje é um bom dia para começar novos desafios.
Onde você que chegar?
Ir alto… sonhe alto…
queira o melhor do melhor…
pensando assim trazemos pra nós aquilo que desejamos…
Se pensarmos pequeno coisas pequenas teremos ….
Já se desejarmos fortemente o melhor e principalmente lutarmos pelo melhor, o melhor vai se instalar em nossa vida.
“Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.”
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Canção do dia de sempre
Mário Quintana
"Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas..."
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Camarada D'água
Composição: Fernando Anitelli / Danilo Souza
Camarada, d'onde vem essa febre
Nossa alegria breve
Por enquanto nos deixou
Camarada, viva a vida mais leve
Não deixe que ela escorregue
Que te cause mais dor
Caixa d'água guarda a água do dia
Não cabe tua alegria
Não basta pro teu calor
Viva a tua maneira
Não perca a estribeira
Saiba do teu valor
E amanheça brilhando mais forte
Que a estrela do norte
Que a noite entregou
Camarada d'água
Fique peixe de manhã, de madrugada
Fique toda hora que for
Você é riacho
E acho que teu rio corre pra longe do meu mar
Mar marvado seria o rio
Que correndo do meu riacho
Levaria o que acho
Pra onde ninguém pode achar
Como pode um peixe vivo viver fora da água fria?
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia?
Viva a tua maneira
Não perca a estribeira
Saiba do teu valor
E amanheça brilhando mais forte
Que a estrela do norte
Que a noite entregou
terça-feira, 8 de junho de 2010
Deficiências
aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive,
sem ter consciência de que é dono do seu destino.
"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria,
e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo,
ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.
"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce.
"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.
E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois: "Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.
"A amizade é um amor que nunca morre. "
Os Estatutos do Homem
Autor: Thiago de Mello *
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
* O poeta Amadeu Thiago de Mello, nasceu em 30/3/1926, na cidade de Barreirinha, Amazonas. Foi preso político e exilado no Chile, quando escreveu "Estatutos do Homem". Traduziu Pablo Neruda, Ernesto Cardenal, Cesar Vallejo, Nícolás Guillén. Prêmio Jabuti 2001 com "Campo de Milagres".
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Viração
Nas águas claras do dia
À sombra dos cereais
Manhãs de trigo e de vinho
Lembrando o passado e a paz
O gosto e o frio da aurora
O cheiro macio do pão
E eu penso no frio que agora
Habita meu coração
Nos muros nos olhos do povo
Habita a mesma tristeza
Porque os braços de ferro
Nos prendem como represa
Mas o que eles não sabem
Não sabem ainda não
É que na minha terra
Um palmo acima do chão
Sopra uma brisa ligeira
Que vai virar viração
Ah mas eles não sabem
Que vai virar viração
Amigo guarda tua mente
Bem viva atenta e sem medo
Que a hora certa e precisa
Virá mais tarde ou mais cedo
Ensina a teus filhos pequenos
Que é dura e longa a viagem
Que a dor, a madeira e o tempo
Não dobram um coração selvagem
Nos muros nos olhos do povo
Habita a mesma tristeza
Porque os braços de ferro
Nos prendem como represa
Mas o que eles não sabem
Não sabem ainda não
É que na minha terra
Um palmo acima do chão
Sopra uma brisa ligeira
Que vai virar viração
Ah mas eles não sabem
Que vai virar viração.
Mario Quintana
terça-feira, 1 de junho de 2010
Paciência
Composição: Lenine e Dudu Falcão
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não pára...
Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...
Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...
O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...
Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não...
Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não...
A vida não pára...
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Metade
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda, que tristeza.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas
como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que eu fui, mas a outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos apronte uma resposta, mesmo que ela não saiba, e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia: a outra metade, a canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é AMOR e a outra metade TAMBÉM!
Oswaldo Montenegro